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quinta-feira, agosto 03, 2006

Eu, que sou feio...

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso.
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez não o suspeites!
- Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Cesário Verde

3 Comments:

Blogger Márcio said...

Confesso não ser grande apreciador de poesia, até porque em livros nem todos me agrada e torna-se um pouco chato estar à procura realmente de bons poemas, como este de Cesário Verde...

quinta-feira, agosto 03, 2006 10:25:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O grande valor de alguns blogs é não se basearem só em assuntos triviais e darem a conhecer as obras de poetas portugueses e não só. Este é um deles.

quinta-feira, agosto 03, 2006 10:53:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Cesário Verde é um dos maiores vultos artísticos do País.

sexta-feira, agosto 04, 2006 11:28:00 da manhã  

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